Santo Issa

Manuscritos budistas registram passagem de Jesus pelo Tibete. Jesus amante de Maria Magdalena? Jesus subiu aos céus auxiliado por dois gigantes? Livro de Mórmon diz que Jesus visitou a América. Dr. Mott afirma que há anos se questiona se Jesus era gay. Cardeal E. Egan de NYC faz cancelar expo de estátua de Jesus de chocolate. Hex der Kolonie: Jacobina afirmou ser reencarnação ou 'der Christus im Rock' (=Cristo de vestido). Jesus bebe Coca-cola em filme na Itália, Bento XVI gosta.

5.4.07

Veja também Sancto Sebastiano, minha tradução/adaptação/interpretação de um poema de Rainer Maria Rilke, do alemão ao português.


Mosteiro budista de Hemis, Ladakh, Tibete.















Gravura do livro de T. E. Gordon: Roof of the World/1876.



ÓH DOCE CHOCOLATL DE DEUS!!!

Segundo o New York Times e outros meios de comunicação, em 2007 foi cancelada a exposição de uma estátua de Jesus Cristo, confeccionada inteiramente de chocolate ao leite, de noventa quilos e 1,82 metros de altura, numa galeria/hotel de Nova Yorque, por causa da revolta que a coisa toda causou a um pequeno mas ferrenho grupo de católicos, dentre eles o cardeal americano Edward Egan.

É que a estátua apresenta um Jesus pregado numa cruz (imaginária), até aí sendo uma obra bastante típica, diferindo do tradicional, porém, ao exibir também, e com simples naturalidade, a genitália do santíssimo pregador. Irado, um dos oponentes indagou se a mesma coisa seria feita com a imagem de Maomé, tecendo uma comparação revestida de indignação, preconceitos, e completamente fora de contexto...

Matt Semler, que era diretor da galeria, pediu demissão após o cancelamento da mostra desta obra do artista Cosimo Cavallaro, tendo o ex-diretor, inclusive, recebido ameaças de morte por ter programado a exposição.

Vale dizer que a doce escultura de Cavallaro não foge de um certo quadro estético propriamente seu... e, poderia ser argumentado, sendo isso algo que muito se preza na cultura moderna ocidental; isto é, a expansão dos questionamentos e das visões de vida -- especialmente em um dos principais centros artísticos da atualidade.

Por outro lado, terrível seria vivenciar um dia um retrocesso aos tempos pré-peste bubônica quando a Igreja mantinha um controle absoluto sobre a cabeça e comportamento das pessoas. Lembrando que a peste bateu na Europa alguns anos antes de Colombo vir ao continente americano... sendo que ela matou cerca de um terço, por volta de 75 milhões, da população da Europa.

Após tanta mortandade, assim como acontece muitas vezes em períodos pós-guerra, seguiu-se um bom tempo de fartura e de bonança, pois, finalmente, houve mais terras disponíveis pra as castas plebéias que anteriormente mal conseguiam achar emprego o suficiente para ganhar algum pão. Aleluia!

Basicamente a chamada peste negra apareceu no sul da Europa, no sul da Itália, e em questão de mais ou menos três anos ela sobe até o norte da Europa, até esvanecer-se o seu percurso, finalmente, nas regiões do leste europeu.

A partir daquele momento, os sobreviventes da praga começaram a questionar as coisas, a vida, a monotonia e o monopólio impostos pela Igreja Católica sobre o espírito, a mente e atos das pessoas, e o que podia e o que não podia, o céu e o inferno... enfim, começou a brotar maior individualismo e independência na alma do ser humano, e foram surgindo muitas invenções para apurar a produção disso e daquilo (em parte dada a escacez de mão de obra), tanto que muitas máquinas e instrumentos de então perduram, mesmo que modificadas, até os dias de hoje.

Seguiu-se o período histórico chamado de Renascença (Renascimento): Numa verdadeira passeata de gays, emergem nesse período elementos distintos como Botticelli, Leonardo da Vinci, Rafael, Michelangelo (lembrando o seu David, com a genitália bem exposta), Albrecht Dürrer, Benvenuto Cellini (estátua de Perseu pelado, com a cabeça decepada de Medusa em mão), etc...

Em outras palavras, aos poucos passou a instalar-se no Ocidente uma visão mais questionadora e humanista do mundo, o que em muito contribuiu para a edificação das bases do pensamento moderno de tolerância ao diferente, à liberdade de expressão e de consciência, ao direito à dignidade individual e coletiva e à não-violência.

Se resta ainda muito pra se fazer para que a justiça e a igualdade alcancem todas as pessoas e esferas em nossa volta nesse mundo, não se deve sucumbir a chiliques infantilóides e irresponsáveis que são nada menos que uma tentativa de retorno a um medievalismo autoritário e controlador.

Mas em relação a figura mitológica central do cristianismo, Jesus de Nazaré, desde os primórdios desse movimento religioso, houve quem questionasse ou mesmo apresentasse histórias alternativas àquelas cultuadas pela corrente que veio a ser a dominante e central. Quanto mais a gente pesquisa, maiores informações divergentes a gente encontra.

Portanto, a novela Código da Vinci, por exemplo, simplesmente recicla histórias bem antigas sobre Jesus. Por exemplo, de que Ele tinha sido amante ou mesmo casado com Maria Magdalena, e que podiam ter tido gerados descendentes d'Ele com Ela. Mais e mais os historiadores registram que houve um 'prostitucionamento' falso da figura da apóstola Maria de Magdala... e que isso é um dos grandes pecados do machismo prevalente dentro da hierarquia do catolicismo.

Se os relatos escritos sobre Jesus, aqueles que formam o Novo Testamento, que foram escritos por terceiros que jamais o conheceram pessoalmente, diferem em detalhes como da resurreição (algo como, num deles aparece um anjo e duas mulheres, noutros três mulheres e dois anjos, etc.), existem escritos daquele mesmo período que em concílio a Igreja passou a desfazer e ignorar (i.e. não patrocinando a sua reprodução e, assim, de fato, fazendo-os desaparecer, na prática), os chamados evangelhos apócrifos, ou os evangelhos escondidos do grande público.

Nesses textos existem relatos, considerados super bizarros, sobre a pessoa do nobre profeta, por exemplo, descrevendo um menino Jesus que era um verdadeiro bully capeta, batendo, ferindo e até mesmo chegando a matar, por exemplo, derrubando um garoto de um telhado (o que o Jesus garoto negou veementemente, provando a sua inoncência ao fazer revolver da morte à vida o coitado caído inocente...). Algo que faz com que certos estudiosos católicos de hoje, os quais, não podendo negar sem mais nem menos esses registros, apresentem apologias, tipo, especulando que Jesus estava apenas aprendendo a dominar os grandes poderes a Ele conferidos por Deus.

Ainda mais controversos são os relatos não aceitando que Jesus Cristo teria sido crucificado, algo que não era digno do Filho de Deus todo poderoso, até dizendo-se em um certo relato que Jesus teria feito Simão, aquele que o ajudou a carregar a cruz, adquirir o seu semblante e Ele o de Simão... assim, sendo enganados os soldados romanos e escapando Jesus da crucificação (danando-se o pobre Simão em Seu lugar, é claro).

Existe até uma tradição Oriental na qual se jura que, depois de escapado da cruz romana, Jesus teria ido para a Índia, onde viria a falecer quando octagenário, e onde também fora enterrado... sendo que a sua tumba exite até hoje e é guardada como sagrada na região montanhosa de Caxemira (ver aqui um vídeo da BBC, narrado em inglês e legendado no idioma urdu, uma língua escrita em um alfabeto árabe modificado).

Um outro relato peculiar do antigo Oriente Médio diz que após sua resurreição, Jesus teria sido levantado aos céus por dois homens gigantes, sendo que a sua própria cruz subiu, inexplicadamente, desde o fundo de seu túmulo, para alto, juntamente com Ele...

Continuando com essa antiga herança de visões fertilmente divergentes, até nos tempos modernos surgem noções que não cabem dentro do quadro cuidadosamente controlado pela religião oficial.

















Rota da Seda por volta do primeiro século da Era Comum.



















Mosteiro de Hemis/1856, Ladakh, Tibete


Por exemplo, nasce em 1858 o aristocrata russo Nicolas Notovitch, aliás um judeu que bem cedo em sua vida se converte à religião cristã (Igreja Ortodoxa). Mais tarde ele atuou como jornalista e fez reportagens de guerra... e até aí nada de excepcional - isto é, até quando ele se aventurou a fazer uma longa viagem ao antigo Oriente.

Acompanhando uma caravana de mercadores rumo à Índia, afortunadamente, ele acabou caindo de seu cavalo no Tibete, perto da região da Caxemira, onde foi socorrido por alguns monges budistas que o acolheram no Mosteiro de Hemis, localizado na região árida de Ladakh.

Auxiliado por um intérprete, ele estudou o budismo por vários meses, tomando notas detalhadas sobre um assunto que, após a sua publicação em livro mais tarde, iria varrer o Ocidente numa grande onda de controvércias. Aparentemente foram dispendidos grandes esforços para impedir a publicação dessas curiosas transcrições de Notovitch, oposições que foram, obviamente, mal sucedidas.

De acordo com Notovitch, estaria documentado em escritos tibetanos antigos, armazenados no Mosteiro de Hemis quando de sua passagem por lá, que Jesus Cristo teria seguido a antiga Rota da Seda (ver mapa, acima), vindo a estudar o budismo nas montanhas do Tibete e os Vedas do hinduísmo na Índia. Ficando justificado, assim, pelo menos em parte, a sua inexplicada ausência, o seu desaparecimento total, entre a idade dos doze aos trinta anos, um período completamente sem informações sobre a sua pessoa na coleção de livros que formam o Novo Testamento da Bíblia.

Interessante é que, de acordo com o livro de Notovitch, A vida desconhecida de Jesus Cristo (The Unknown Life of Jesus Christ/1894), bem de acordo com a sua fama de revolucionário, Jesus teria ofendido os seus superiores hindús que ficaram chocados e repreensivos quando descobriram que Ele estava pregando às castas baixas, algo absolutamente proibido e um tabú profundo naquela parte do mundo; tanto que Jesus precisou escapar de lá para não sofrer a emergente ira...

Nos Estados Unidos, desta vez de acordo com as escrituras sagradas cristãs do mórmons (O Livro de Mórmon, Joseph Smith, Jr./1830), Jesus Cristo teria aparecido nas Américas após a ressurreição, pregando entre os povos pré-colombianos antigos (as suas 'outras ovelhas') as Boas Novas de salvação, estabelecendo a evangelho entre eles, e até mesmo escolhendo doze apóstolos em seu meio. O que é um verdadeiro sacrilégio para muitos, não é nada menos do que sagrado para uns tantos outros.

Já no Brasil, nas colônias alemãs cerca de São Leopoldo, emerge a messiânica Jacobina Mentz Maurer na segunda parte do século dezenove, a qual passou a se denominar a reencarnação femenina de Jesus Cristo, fazendo curas milagrosas, chegando até escolher doze apóstolos entre seus seguidores fiéis, pregando o estabelecimento da Cidade de Deus na terra. Como já observamos, era lógico que, proclamando-se Cristo, Jacobina tratasse de escolher também os seus apóstolos. O primeiro foi seu marido, João Jorge (Ver o texto da obra antagônica completa Os Muckers, uma tradução de Alfredo Cl. Pinto à língua nacional desde o original em alemão (Die 'Mucker'; eine Episode aus der Geschichte der deutschen Kolonien von Rio Grande do Sul, Brasilien, 2. ed., Paderborn, Bonifacius-Druckerei, 1906, 352 pp) autorizada pelo autor, o padre jesuita alemão radicado no Brasil Ambrósio Schupp). Seus opositores católicos e protestantes da região os apelidaram de Mucker (fanático, santarrão, no idioma alemão) enquanto os messiânicos os chamavam de Spotter (debochador).

Jacobina, Jesus Femenino, Jesus Mulher ou Christus im Rock (Rock = saia, vestido, ou avental em alemão [Visite o grupo de dialeto alemão do Rio Grande do Sul #Riograndenser #Hunsrückisch no Facebook: Riograndenser Hunsrückisch) juntamente com a maioria dos membros de seu movimento foram massacrados em 1874 pelas forças imperiais do Brasil. Mas isso somente após já terem ocorridos numerosos atritos, incêndios e ferimentos e até mesmo mortes, tanto de sectários como de membros do establishment católico e luterano (Ver a seguir um resumo menos parcial da história, Jacobina: A Líder dos Mucker, por Elma Sant'Ana). O tema já foi assunto de diversas artigos, livros e, em 2002, a saga dos muckers foi reproduzida em filme, A paixão de Jacobina, pelo cineasta Fábio Barreto.

Encerrando, numa nota mais leve, ao contrário da controvércia sobre a estátua de chocolate de Cavallaro cancelada de seu show numa galeria de Nova Yorque, o papa Bento XVI teria dito recentemente que gostou de uma nova película italiana apresentando uma interpretação contemporânea favorável de Jesus, na qual Jesus aparece com uma latinha em mão, tomando uma coquinha refrescante dentro de um automóvil, dando bons conselhos a um homem em busca do verdadeiro sentido da vida.

Mas só que a filial da Coca-Cola, Inc. da Itália, por outro lado, se mostrou extremamente hostil com a aproximação de sua marca registrada a um trabalho potencialmente controverso, exigindo que tal cena fosse cortada da fita, de fato, fazendo com que a grande data de lançamento do filme fosse adiada: Buona Pasqua, mesmo assim!

Finalmente, tratando-se de questionamentos sobre a orientação sexual de Jesus de Nazaré, segundo o Dr. Luiz Mott, o historiador Giovanni Dall'orto e o escritor Marlowe, entre outros, já diziam que o Jesus bíblico tinha sido homossexual, talvez amante de João... Continuando, o Dr. Mott relata que Eu próprio encontrei no Arquivo da Torre do Tombo, em Lisboa, a denúncia contra Gregório de Matos, o maior poeta brasileiro barroco, o qual, nos finais do século XVII ousou dizer que "Nosso Senhor Jesus Cristo era sodomita".

Como podemos ver, existe todo um leque de relatos, estórias, tradições, lendas, opiniões e interpretações miles referentes à mitologia de Jesus o Cristo, as quais vêm se acumulando há mais de dois mil anos. Portanto, querer controlar o assunto de acordo com preceitos restritivistas e convenientes não passa de um exercício futil, precisamente dados os meios de comunicação modernos. Infelizmente, em casos específicos, quando prevalece o prescritivismo, isso não se dá sem que ocorra o abuso de um ser humano sobre o outro, perdendo-se no processo a mensagem mais ampla e universal que é tão central à mitologia em questão.

Mais do que nunca, cabe observar a isonomia, o direito igalitário à cidadania plena, conforme petrificado na Carta Magna do país, isto é, na Constituição Federal do Brasil, pelo Estado democrático, republicano e laico. Somando-se a isso, ainda, a crescente globalização e a rica interação entre os mil povos do mundo, mas sempre ante a soberania da Nação e pelos direitos individuais.


--Paul Beppler


Este escrito se encontra sob proteção de Licença da Creative Commons.
This work is licensed under a
Creative Commons License.

Creative Commons License